Eminectomia da articulação temporomandibular
Introdução
A articulação temporomandibular (ATM) é considerada uma das mais complexas do corpo humano. As estruturas ósseas da ATM são a cavidade glenóide do osso temporal e o côndilo mandibular. Nas crianças, a cavidade glenóide e a eminência articular são aplanadas, sendo a ação das cargas funcionais determinante a definição da morfologia da ATM (Liddell & Perez, 2015; Martins et al., 2014; Mayrink et al., 2012; Undt, 2011).
Durante o movimento de abertura da boca, o côndilo tem um movimento de rotação e posteriormente um movimento de translação anterior, idealmente até ao ponto de maior convexidade da eminência articular (Liddell & Perez, 2015; Martins et al., 2014; Mayrink et al., 2012; Undt, 2011).
Interposto entre estas superfícies ósseas posiciona-se o disco articular, uma estrutura de forma bicôncava, flexível, formada por tecido conjuntivo fibrocartilaginoso, responsável por absorver os impactos funcionais e permitindo que a movimentação do côndilo seja harmoniosa durante a abertura e encerramento da boca (Pereira et al., 2021).
A anatomia pronunciada da eminência articular pode representar um problema para o normal funcionamento da ATM. Nesta situação, o doente pode apresentar uma limitação no movimento de abertura da boca pois o côndilo mandibular não percorre a inclinação da eminência articular.
Em 1951, Hilmar Myrhaug introduziu a técnica cirúrgica de eminectomia; esta consiste na redução da altura da eminência articular para que o côndilo possa mobilizar-se livre de interferências durante a abertura e encerramento da boca (Chakraborty, 2007; Liddell & Perez, 2015; Mayrink et al., 2012; Stassen & O’Halloran, 2011; Undt, 2011).
Relato de caso clínico
A. S., paciente do sexo masculino, com 20 anos de idade, foi observado na primeira consulta de dor orofacial e disfunção temporomandibular com sintomatologia dolorosa inespecífica de intensidade moderada a grave na região cervicofacial sem aparente fator desencadeante. O doente descrevia a presença de estalidos, crepitações e episódios repetidos de bloqueio durante a abertura da boca. Toda a condição clínica existente tinha um impacto de 7/10 Visual Analogue Scale (VAS) na sua qualidade de vida.
Ao exame objetivo, observamos uma abertura máxima oral de 14 mm sem desvios, presença de estalidos e contratura muscular bilateral com: contratura grau 3 nos músculos masséter e temporal e grau 2 nos músculos esternocleidomastóideo e no ventre anterior do músculo digástrico.
Foram realizados exames complementares de diagnóstico, tendo a ressonância magnética (RM) demonstrado um bom posicionamento dos discos com a boca fechada, no entanto, com boca aberta verificou-se um deslocamento posterior dos discos articulares. A tomografia computadorizada (TC) evidenciou um ângulo de eminência articular muito agudo que foi associado ao bloqueio da translação condilar e ao deslocamento posterior do disco. Na figura 1 e 2 podem verificar-se as imagens da TC em boca aberta e boca fechada da ATM direita e ATM esquerda.


O doente foi proposto para eminectomia bilateral.
Descrição da técnica cirúrgica de eminectomia
A abordagem mais comum na cirurgia aberta da ATM é a incisão pré-auricular, descrita por Rowe em 1972. No entanto, com a necessidade de uma abordagem mais estética foi substituída por uma abordagem endaural e, mais recentemente proposta uma nomenclatura para uma modificação da abordagem endaural clássica: “Root of helix inter tragus notch incision (RHITNI)”. Esta incisão é realizada com uma lâmina 15 e é traçada desde o bordo inferior da hélix até à raiz da orelha, desenhando uma forma em V e seguindo até ao bordo inferior do tragus terminando na incisura da orelha (Ângelo, 2020).
A disseção da pele e tecidos subcutâneos foi efetuada com tesoura iris, até à camada superficial da fáscia temporal. Após boa exposição da fáscia, esta foi aberta até à arcada zigomática, num ângulo de 45° para minimizar o risco de lesão do ramo temporal do nervo facial (ver figura 3). Para redução da eminência articular procedeuse à marcação da osteotomia com caneta dermográfica (ver figura 4). A redução da eminência articular foi realizada de forma atraumática com o piezoelétrico (ver figura 5).



O encerramento da ferida cirúrgica foi realizado por planos, com sutura vicryl 3/0 a nível subcutâneo e sutura monocryl 5/0 para a pele. Para proteção, foi ainda colocada cola cirúrgica sobre toda a sutura tendo sido removida vinte dias após a cirurgia.
Toda a cirurgia decorreu sem intercorrências tendo-se registado no pósoperatório imediato uma abertura máxima oral de 31 mm e uma translação condilar adequada.
O doente foi acompanhado em sessões de fisioterapia e sessões de terapia da fala.
Na figura 6(A) e 6(B) é possível observar a fotografia de perfil pré-operatória do doente e após seis meses da cirurgia em abertura máxima oral.

Discussão
A eminectomia é uma técnica versátil no tratamento de diferentes tipos de doentes com patologia da ATM. Vários autores descrevem a eminectomia com uma eficácia de 100% até 5 anos (Mayrink et al., 2012; Tocaciu et al., 2019).
A intervenção é geralmente realizada sob anestesia geral apesar de alguns autores descreverem este procedimento realizado com anestesia local e sedação consciente intravenosa (Mayrink et al., 2012; Stassen & O’Halloran, 2011).
A redução da eminência articular pode ser realizada com recurso a cinzéis, brocas rotativas ou limas ósseas recíprocas ou, numa abordagem mais recente, com recurso ao piezoelétrico. A principal vantagem do piezoelétrico é a precisão do corte e o facto de ser atraumático, preservando a integridade de estruturas vasculares ou nervosas. Diversos autores relataram também uma redução das complicações pós-operatórias com o piezoelectrico quando comparado à cirurgia convencional (Isler et al., 2018; Undt, 2011). A altura de osso a ser reduzida ainda não está definida na comunidade científica. Alguns autores recomendam a ressecção completa da eminência, e alguns indicam apenas a redução em altura ou o contorno parcial da eminência (Undt, 2011). Na nossa experiência é feita uma redução funcional da eminência, definida por uma redução progressiva até obtermos uma translação ideal.
Na literatura científica são descritas algumas complicações da eminectomia, tais como lesão do nervo facial e do trigémeo ou danos em estruturas adjacentes. Alguns autores observaram persistência da luxação mandibular, osteoartrose, fratura da cabeça do côndilo, desvio lateral no movimento de abertura e hipermobilidade condilar (Isler et al., 2018; Liddell & Perez, 2015; Martins et al., 2014).
Ainda que seja espectável uma hipermobilidade condilar devido à ausência da eminência articular para conter o movimento do côndilo, um estudo de Undt et al. não mostrou alterações nos movimentos articulares no pré ou pós-operatório; os autores referem a presença de uma cicatriz fibrosa no setor anterior da cápsula como causa provável que impede o movimento excessivo do côndilo. Um estudo de Stanssen et. al relata que nenhum doente apresentou disfunção resultante de hipermobilidade pós-operatória. Além disso, nenhum doente apresentou problemas de mastigação, de deglutição ou de fala (Mayrink et al., 2012; Stassen & O’Halloran, 2011; Undt, 2011).
Na nossa experiência, observou-se uma hipermobildidade controlada e expectável, que foi determinante para melhorar a abertura da boca, e para um reposicionamento passivo do disco. Após um ano o doente realizou nova TC onde se pode verificar a remodelação da eminência articular bilateral, como se pode ver na figura 7 e 8.


Conclusões
A eminectomia parece ser uma técnica segura e eficaz, associada a uma rápida recuperação funcional com mínimo impacto estético, devido à evolução das técnicas cirúrgicas.
David Ângelo, David Sanz, Rute Marques
Referências Bibliográficas:
- Ângelo, D. F. (2020). A letter to the editor on “Root of helix inter tragus notch incision (RHITNI) for temporomandibular open surgery.” In International Journal of Surgery (Vol. 83, pp. 233–234). Elsevier Ltd. https://doi.org/10.1016/j.ijsu.2020.09.051
- Chakraborty, C. S. K. (2007). Eminectomy for the management of closed lock of temporomandibular joint. Medical Journal Armed Forces India, 63(4), 384–385. https://doi.org/10.1016/S0377-1237(07)80031-1
- Isler, S. C., Cakarer, S., Yalcin, B. K., & Sitilci, T. (2018). Management of the bilateral chronic temporomandibular joint dislocation. Annals of Maxillofacial Surgery, 8(1), 154–157. https://doi.org/10.4103/ams.ams_142_17
- Liddell, A., & Perez, D. E. (2015). Temporomandibular Joint Dislocation. In Oral and Maxillofacial Surgery Clinics of North America (Vol. 27, Issue 1, pp. 125–136). W.B. Saunders. https://doi.org/10.1016/j.coms.2014.09.009
- Martins, W. D., de Oliveira Ribas, M., Bisinelli, J., França, B. H. S., & Martins, G. (2014). Recurrent dislocation of the temporomandibular joint: A literature review and two case reports treated with eminectomy. In Cranio: Journal of Craniomandibular & Sleep Practice (Vol. 32, Issue 2, pp. 110–117). Chroma, Inc. https://doi.org/10.1179/0886963413Z.00000000017
- Mayrink, G., Olate, S., Assis, A., Sverzut, A., & de Moraes, M. (2012). Recurrent mandibular dislocation treated by eminectomy. Journal of Craniofacial Surgery, 23(5). https://doi.org/10.1097/SCS.0b013e31825ab523
- Pereira, J. V. C., Campos, G. S., & Paula, D. M. de. (2021). Surgical approach in Temporomandibular Joint disorders (TMJ): a literature review. Research, Society and Development, 10(13), e568101321711. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i13.21711
- Stassen, L. F., & O’Halloran, M. (2011). Functional surgery of the temporomandibular joint with conscious sedation for “closed lock” using eminectomy as a treatment: A case series. Journal of Oral and Maxillofa- cial Surgery, 69(6). https://doi.org/10.1016/j.joms.2010.11.034
- Tocaciu, S., McCullough, M. J., & Dimitroulis, G. (2019). Surgical management of recurrent TMJ dislocation—a systematic review. Oral and Maxillofacial Surgery, 23(1), 35–45. https://doi.org/10.1007/s10006-019-00746-5
- Undt, G. (2011). Temporomandibular Joint Eminectomy for Recurrent Dislocation. In Atlas of the Oral and Maxillofacial Surgery Clinics of North America (Vol. 19, Issue 2, pp. 189–206). https://doi.org/10.1016/j.cxom.2011.05.005
- Vyloppilli, S., Joseph, B., Manojkumar, K. P., Sayd, S., & Krishnakumar, K. S. (2017). Surgical Correction of TMJ Bilateral Dislocation with Eminectomy and Capsulorrhaphy as an Adjuvant: Case Reports. Journal of Maxillofacial and Oral Surgery, 17(3), 345–349. https://doi.org/10.1007/s12663-017-1030-y
Para continuar aprendendo e ter acesso a todos os outros artigos, entre ou crie uma conta
Ou faça login / crie uma conta aqui: