Tratamento ortodôntico compensatório da má oclusão Classe III dentária e esquelética com assimetria mandibular
Resumo
O diagnóstico ortodôntico deve ser realizado de modo amplo, buscando definir as caraterísticas e a severidade da má oclusão, com a finalidade de se obter e garantir uma oclusão terapêutica, satisfazendo os requisitos funcionais e estéticos do tratamento ortodôntico. O tratamento da Classe III com componentes dentários e esqueléticos pode variar de acordo com os objetivos estabelecidos para o caso, podendo ser compensatório, com a camuflagem ortodôntica das discrepâncias esqueléticas, ou cirúrgico, envolvendo uma ou duas bases ósseas, dependendo da etiologia do problema e da severidade da discrepância esquelética. É importante enfatizar a importância da manipulação mandibular para o correto diagnóstico da relação oclusal, uma vez que, ao se alterar a posição da mandíbula de máxima intercuspidação habitual (MIH) para relação cêntrica (RC), pode haver mudanças nos parâmetros oclusais. Os elementos diagnósticos do presente caso clínico revelaram uma má oclusão de Classe III dentoesquelética. Havia uma diferença significante entre MIH e RC, com deslocamento anterior da mandíbula, sem sinais e sintomas de disfunção da articulação temporomandibular. O tratamento recomendado seria a cirurgia ortognática devido à severidade da discrepância observada, no entanto, o caso foi tratado alternativamente por meio de compensação dentária.
Introdução
Ao longo da história ortodôntica tem surgido diferentes escolas de oclusão. Muitos clínicos se apoiam nestes princípios que têm sido incorporados rotineiramente ao diagnóstico e à prática clínica. Atualmente, os conceitos gnatológicos visam obter uma oclusão orgânica, caraterizada por uma oclusão mutuamente protegida.
Roth introduziu este pensamento nos anos 70, alertando que, ao não se alcançar os princípios gnatológicos, pode haver uma predisposição ao desenvolvimento de disfunções temporomandibulares (DTM). Portanto, é fundamental que o clínico, durante o diagnóstico do caso, manipule a mandíbula procurando chegar o mais próximo possível da relação cêntrica (RC), verificando se há diferenças entre esta posição e a máxima intercuspoidação habitual (MIH), evitando, assim, erros no diagnóstico.
Uma posição mandibular estável e reprodutível, que pode ser utilizada como referência, é a base a partir da qual se pode realizar um diagnóstico ortodôntico preciso. Essa posição é conhecida como relação cêntrica, a qual ganhou a aceitação como uma posição preferencial, dado que é a única relação maxilomandibular reprodutível.
Portanto, é preciso que o clínico domine a técnica de manipulação da mandíbula, que permitirá movêla gentilmente até a posição terapêutica de RC, quando esta se encontrar deslocada em outra posição.
Se for necessário medir a discrepância das cabeças da mandíbula nos planos horizontal, vertical ou transversal será preciso adicionar ao diagnóstico o uso de um articulador semi ou totalmente ajustável com indicador de posição condilar. Assim, será possível, também, avaliar as alterações obtidas com o tratamento ortodôntico. O ortodontista deve examinar cuidadosamente a ATM de seus pacientes, independente do estágio do crescimento, especialmente na presença de sinais e sintomas de disfunção.
O tratamento da Classe III com componentes dentários e esqueléticos com assimetria mandibular é complexo, podendo ser utilizados recursos ortopédicos, ortodônticos ou cirúrgicos. Portanto, é de extrema importância o correto diagnóstico para se recomendar a terapia correta para cada caso e para obter os melhores resultados.
Relato de caso
Paciente do gênero feminino com 14 anos e 9 meses de idade. A análise facial frontal indicou aumento do terço inferior, desvio do mento para a esquerda, lábios competentes, altura do sorriso baixa com evidente assimetria dentária. Na análise de perfil, observouse um perfil facial convexo com lábio inferior e mento protruídos (Figura 1). No exame intrabucal, observouse uma boa morfologia de coroas dentárias, várias restaurações em amálgama, mordida cruzada anterior e pouco desenvolvimento do processo alveolar da maxila na região anterior (Figura 2). A análise de modelos indicou uma Classe III dentária de Angle, apinhamento moderado em ambos os arcos dentários, extrusão de incisivos inferiores e superiores, mordida invertida anterior, curva de Spee profunda, linha média inferior desviada para a esquerda em 6 mm, forma de arco ovoide inferior e quadrada superior (Figura 3). Na radiografia panorâmica, observouse dentição permanente completa com terceiros molares em formação, boa altura óssea, múltiplos órgãos dentários com raízes dilaceradas (Figura 4). Na interpretação da cefalometria de Fonseca6 (2016), foi observada Classe III combinada com incisivos superiores inclinados para vestibular, plano oclusal aumentado e incisivos inferiores extruídos. O lábio inferior e o pogônio mole estavam aumentados em relação à linha vertical subnasal (Figura 5 e Tabela 1). A inspeção da ATM revelou que se encontravam assintomáticas e a manipulação da mandíbula com a técnica de 3 dedos mostrou uma discrepância importante de MIH para RC (Figura 7). Esse último dado mudou o plano de tratamento da paciente, de cirúrgico para um tratamento conservador. Sua síntese diagnóstica está descrita no Tabela 2 (Figura 6).
Foi utilizado um sistema de bráquetes MBT Gemini com torque -7° e -6° em caninos superiores e inferiores, respectivamente, com canaleta 0.022” (3M Unitek). Inicialmente, foi utilizada uma placa inferior para facilitar a correção da mordida cruzada anterior, associando-se com elásticos de Classe III de ¼” de diâmetro e 115gf para manter a posição da mandíbula em RC, nos 3 primeiros meses. Posteriormente, trocou-se o vetor de força dos elásticos para vertical por 2 meses (Figura 8). Em seguida, foi instalado o aparelho inferior, continuandose a sequência de arcos redondos da primeira fase do tratamento 0,014”, 0,016” e 0,018” de NiTi clássico (Figura 9). Na segunda fase, utilizaramse arcos retangulares 0,017” x 0,025” e 0,019” x 0,025” NiTi clássico, ao mesmo tempo que se corrigia a linha média inferior à direita e se conseguia o nivelamento dos arcos dentários (Figura 10). A terceira fase utilizou arcos retangulares 0,019” x 0,025” de aço inoxidável sem ganchos (Figura 11) e na quarta fase do tratamento foram utilizados arcos retangulares braided 0,019” x 0,025”de aço inoxidável (Figura 12).
Nos resultados finais, foi observada melhora no aspeto facial, diminuindo a assimetria inicial, com uma melhora também do sorriso (Figura 13). Em relação à oclusão, os arcos dentários foram conformados e coordenados e o desvio da linha média inferior foi corrigido (Figura 14). Obteve-se uma oclusão mutuamente protegida (Figura 15). Foi utilizada contenção fixa inferior de 3 a 3 e removível superior (Figura 16).
Na análise cefalométrica final, observou-se melhor harmonia na posição dos incisivos e tecidos moles do terço inferior da face (Figura 17 e Tabela 3).
Discussão
A literatura ortodôntica classifica a má oclusão Classe III como dentária, esquelética ou funcional. Esta última refere-se à adaptação que a mandíbula sofre com uma interferência dentária, que pode ser introduzida pela perda de um ou mais órgãos dentários, gerando um deslocamento dos côndilos mandibulares para a frente e para cima, reforçando a importância da avaliação da ATM e a manipulação da mandíbula. O diagnóstico incorreto pode levar a tratamentos inadequados.
Conclusões
Os resultados obtidos no presente caso clínico foram considerados satisfatórios, considerando a conformação dos arcos dentários, oclusão mutuamente protegida e a localização terapêutica das cabeças da mandíbula. A relação dos tecidos moles melhorou substancialmente, com grande mudança no sorriso e no perfil facial.
Autores: Franco Fonseca Balcázar, Khiabet Fonseca Esparza, Franco Fonseca Esparza
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